quinta-feira, junho 30, 2005

Ilidio Vale no "Comércio do Porto" (30/6/2005)

Permanentemente insatisfeito e alérgico a rotinas. É assim que se define o prof. Ilídio Vale, o coordenador técnico de todos os escalões jovens do FC Porto e ainda da equipa B dos dragões. Desde 1989 no clube, continua repleto de ambição e sublinha ao COMÉRCIO aquilo que defende para toda a formação dos azuis-e-brancos, não esquecendo o modelo único de jogo para todas as equipas do clube, algo que só conseguiu impor durante o reinado de José Mourinho

PEDRO JORGE DA CUNHA


Qual o balanço que faz do trabalho das camadas jovens do FC Porto, em todas as suas vertentes, no final de mais uma temporada?
O balanço é francamente positivo. O nosso principal objectivo é trabalhar de uma forma que torne possível formar jogadores da melhor maneira possível, para que eles possam vir a integrar mais tarde a equipa principal do FC Porto. Este ano foi especialmente bom, porque três elementos da nossa formação (ndr: Ivanildo, Bruno Gama e Paulo Machado) foram chamados ao plantel sénior e esse é, desde logo, um indicador extremamente positivo. Por outro lado, estou certo que, neste último ano, todos os atletas dos escalões jovens evoluíram em termos individuais, e que todas as equipas o fizeram colectivamente.

É importante também que todos esses jovens consigam conciliar a parte desportiva com a sua vida académica?
Isso é essencial e a esmagadora maioria conseguiu fazê-lo. Sabemos que é um esforço tremendo, mas é um dos nossos objectivos.

E no que concerne aos resultados desportivos? Está satisfeito com as classificações obtidas?
Como consequência do trabalho que efectuamos, é importante obter bons resultados. A nossa filosofia é formar e educar para vencer. Se pudermos ganhar sempre, vamos ganhar sempre; se pudermos ser melhores que os adversários, individual e colectivamente, vamos sê-lo. Globalmente, acho que a temporada não correu mal, mas poderia ter corrido melhor. Legitimamente, parece-me que poderíamos ter conquistado todos os títulos em disputa, mas acabamos por ser vice-campeões em juniores e juvenis. Em juvenis, só não fomos campeões nacionais por "goal-average" e em juniores tínhamos uma excelente equipa, mas fomos um pouco infelizes. Nos outros escalões, acabamos por ser os mais fortes nas provas em que participamos. Portanto, em termos gerais, estamos muito satisfeitos, mas temos uma cultura de perfeccionismo e pensamos que podemos fazer sempre melhor.

Acha que é mais fácil para um técnico da equipa profissional, apostar nos jogadores oriundos das camadas jovens quando os resultados são menos positivos, como aconteceu nesta última época no FC Porto?
Não, não me parece. Nós temos uma perspectiva muito clara sobre isso. Sempre que existe uma transição para um escalão superior, seja ele qual for, é imperioso saber escolher os momentos em que os jogadores devem ser lançados. Depois, há que haver um acompanhamento muito específico, pois estamos a falar de idades muito sensíveis e que exigem redobrada atenção. Não me parece que estas apostas tenham a haver com um momento bom ou menos bom das equipas, mas sim com os momentos certos, em que temos que perceber se os jovens estão aptos para corresponder de forma positiva.

Sempre que chega um novo técnico ao plantel sénior do clube, como acontece com o senhor Adriaanse, ele dá-lhe indicações para que o modelo da equipa principal seja implantado nos escalões jovens, ou todos os treinadores das camadas juvenis têm liberdade para colocar a equipa que orientam a jogar da forma que entendem ser a melhor?
O nosso objectivo é que haja um modelo único para todas as equipas do clube, mas a cultura dos clubes prtugueses não é bem aquilo que nós pretendemos. O nosso clube tem feito um esforço enorme no sentido de escolher cautelosamente o perfil dos seus treinadores, mas às vezes as coisas não são como nós queremos. Nós, nos escalões de formação, temos ideias de jogo e de treino definidos e quando estava cá o José Mourinho a colaboração era total. Nesse período foi possível implementar esse desejo.

Com a saída de José Mourinho isso deixou de acontecer?
Depois da vinda dos outros treinadores (ndr: Del Neri, Víctor Fernández e José Couceiro), houve um esforço, pelo menos teórico, de manter a mesma situação, mas de facto a instabilidade não ajudou a consolidar essa pretensão. Mas nós acreditamos que as nossas ideias para o treino e o jogo são, sem modéstia, do melhor que existe por essa Europa fora e, por isso, não me parece que devamos alterar o modelo que defendemos. Esse modelo tem que ser flexível, aberto, ajustável, mas a essência deve manter-se. Contudo, também temos a preocupação de fazer com que os nossos atletas se possam adaptar sem dificuldades a qualquer sistema táctico.

O que espera de Co Adriaanse relativamente a essa matéria?
Estou convencido que vai ser um treinador que vai dar um contributo muito importante à formação. Ainda não falei com ele sobre questões técnicas, mas sei que o senhor Adriaanse e os seus adjuntos são pessoas com sensibilidade no que respeita à formação dos clubes.

"Nunca poderia voltar as costas a quem me deu a possibilidade de ser treinador do FC Porto"

Já por várias vezes se falou na possibilidade de se tornar técnico principal de outro clube, que não o FC Porto, mas nunca aceitou. É mesmo este clube que o preenche em termos profissionais?
Onde eu estiver é sinal de que estou bem, porque não faço nada que não me dê prazer. Tenho que ser grato a quem, um dia, me deu oportunidade de ser treinador do FC Porto e nunca poderei voltar as costas a este clube, que é o meu clube, o clube que eu gosto e onde exerço a minha profissão com todo o empenho e profissionalismo.

Pela forma como fala, a motivação e a ambição fazem parte do seu dia-a-dia aqui no Olival...
Sou um indivíduo permanentemente insatisfeito e anti-rotinas e não gosto de me acomodar a qualquer situação. Neste clube, todos os dias há novos desafios e é motivante e estimulante. Agradeço aos clubes que já se lembraram de mim, porque acharam que tenho perfil para outro tipo de projectos, mas até este momento não foi possível uma mudança. Pode ser que um dia as coisas se proporcionem.

Com o aparecimento deste fabuloso centro de treinos do Olival, acha que é justo dizer-se que agora se trabalha ainda melhor nas camadas jovens do FC Porto?
Não vou dizer que trabalhamos melhor, mas há alguns factores que são essenciais para que haja evolução. A qualidade dos jogadores, do trabalho, do treinador e das infraestruturas. Estes são os vectores determinantes para o produto final do trabalho. Quanto melhor forem as infraestruturas, mais sucesso terá o trabalho

Para a nova temporada, existem algumas alterações no organigrama projectado para os escalões jovens. A que se devem estas opções?
Como facilmente é perceptível, qualquer política de formação tem que ter estabilidade. Tem que haver uma grande identidade com os modelos instituídos no clube e o facto de o José Guilerme e o João Carlos Costa terem subido um patamar, digamos assim, prende-se com o objectivo de os fazer continuar acompanhar os mesmos jogadores com que trabalharam na temporada transacta. Todos eles estão identificados com aquilo que são os modelos instituídos no clube, mesmo o Aloísio que veio integrar o departamento de formação.

"A equipa B é a chave de toda a formação"
Ilídio Vale critica abertamente os que não protegem a evolução dos jogadores jovens

É um profundo conhecedor da realidade da equipa B, da qual foi treinador principal durante alguns anos. Considera positivo o balanço destes seis anos de existência, de 1999/2000 a 2004/2005?
Considero excelente. Fui um dos responsáveis e impulsionadores da criação das equipas B, e basta fazer um pequeno exercício de análise para se perceber que a esmagadora maioria dos jogadores que passaram pela nossa formação secundária estão na SuperLiga, e alguns deles até na equipa principal do FC Porto. Isto, por si só, demonstra a qualidade do trabalho que se desenvolveu. Aliás, podemos lembrar também que as melhores prestações ao nível das selecções jovens, nomeadamente nos escalões de sub-20 e sub-21, têm a ver fundamentalmente com o aparecimento das equipas B. Os dois últimos torneios de Toulon que Portugal venceu, foram conquistados com a presença de uma esmagadora maioria de atletas pertencentes às várias equipas secundárias. Isto é significativo e, no FC Porto a equipa B é a chave de toda a formação..

Suponho, então, que seja um projecto para continuar?
Pode ser nestes moldes, ou noutros, porque, lamentavelmente, quem tem responsabilidades de fomentar o futebol jovem em Portugal, anda completamente distraído. Ainda hoje (ndr: ontem) vi num jornal desportivo que os campeonatos da II divisão B não irão contemplar, nas novas reformas dos quadros competitivos, as equipas B, porque elas, alegadamente, não cumprem os objectivos para o quais foram criados. Isto é uma aberração completa de gente que anda de má-fé no futebol. Isto é um atentado grave à formação, tal como o é o silêncio da estrutura técnica da FPF. Meter a cabeça na areia é fácil e quem tem responsabilidades neste sector não pode estar calado, até para nos ajudarem a entender algumas coisas.

Alguma vez sentiu desmotivação nos seus jogadores da equipa B, por estarem impedidos de serem promovidos à Liga de Honra?
Não, nunca o senti. É óbvio que poder subir de divisão é um estímulo forte, mas a maior motivação é estarem prontos para a equipa principal e para o futebol português. Os nossos jogadores são formados no sentido de se auto-superarem permanentemente, para que se possam superiorizar perante todo e qualquer adversário. Queremos jogadores altamente competitivos e a sua evolução enquanto jogadores é suficientemente estimulante.

O nível da II divisão B é o ideal para os atletas que saem dos juniores?
Não sei, depende do tipo de jogadores que temos, até porque nem sempre temos, na equipa B, atletas que já estão prontos a competir a um nível superior. Mas é um campeonato com níveis competitivos diferentes dos campeonatos jovens. Independentemente do adversário ser melhor ou pior, nós temos sempre que jogar o melhor possível.