FC Porto B: Entrevista de Ilidio Vale
Formar jogadores à Porto (por Tomaz Andrade em "O Jogo" 25/12/2004)
A equipa principal dos dragões é a parte visível de um icebergue, mas na verdade o sucesso começa a ser construído muito antes, alguns anos antes, das escolas de formação até à equipa B. O processo começa na recruta e passa pelo aperfeiçoamento. Há jogadores quase acabados.
O treinador que mais atenção deu à formação de jogadores no FC Porto já foi embora, mas o clube continua a seguir o exemplo do técnico do Chelsea e a apostar forte nas camadas jovens, um verdadeiro viveiro de jogadores unidos por um objectivo comum: chegar à equipa principal. Nem todos o conseguirão, na verdade serão poucos, embora o mérito esteja em fornecer regularmente à equipa principal um ou dois jogadores de qualidade garantida. E isso pode acontecer brevemente, porque os responsáveis da formação do FC Porto acreditam que há matéria-prima de qualidade, como Pedro Ribeiro, Ivanildo, Paulo Machado, Vieirinha, Bruno Gama, Cristóvão e Márcio, só para citar os que estão mais perto de conseguir o passaporte para o escalão principal.A equipa B, treinada por Domingos Paciência, é a última etapa do processo de maturação competitiva do jogador em formação, embora seja também a última peça de uma área mais abrangente, que começa no escalão etário mais baixo. Ilídio Vale é o coordenador do futebol de formação do FC Porto e acredita que estão a ser construídos jogadores de grande qualidade e com um carácter genético específico. "Jogadores à Porto", como lhes chamou. São cerca de 300 os atletas que compõem todo o escalão de formação do FC Porto e é um erro pensar que o processo de selecção é feito apenas com base na qualidade do jogador. Ilídio Vale diz que não e explica as razões. "Um jogador pode ter muito talento, mas na nossa opinião é o seu carácter que conta. São esses os grandes jogadores do futuro. É uma coisa decisiva no jogador de elite e temos desses na equipa B", disse Ilídio Vale.
E então como se escolhe um jogador com carácter? Fazendo-lhe um teste diagnóstico ou algo do género sobre a sua vida? Qualquer coisa como isso e juntando-lhe as características enquanto jogador. "Procuramos jogadores que revelem carácter, inteligência específica de jogo, tecnicamente evoluídos e com princípios de educação para se comportarem como seres sociais. Para além disso tem de ter ambição, gostar de futebol e uma grande vontade de se tornar um jogador de elite". Basicamente é isto e, como são tantas as características, torna-se difícil a selecção. Para resumir a fórmula, Ilídio Vale revelou que nos balneários portistas da formação existe uma sigla que deve ser cumprida por todos: CITEV. Descodificada letra a letra, a sigla encerra cinco características. C de carácter; I de inteligência táctica; T de técnica; E de educação; e V de velocidade. "Esta sigla é utilizada na selecção de jogadores", refere ainda Ilídio Vale.
Sendo um degrau de aperfeiçoamento, a equipa B tem alguns jogadores em fase de lapidação, podendo Victor Fernandez em breve contar com alguns deles na equipa principal. Ilídio Vale não quis fornecer nomes para não ferir susceptibilidades - mais uma prova de que a formação é um espaço com características próprias, que lida com projectos de jogador e não jogadores -, mas admitiu que os que têm sido chamados ultimamente pelo treinador portista são os que reúnem mais hipóteses de chegar à equipa principal. São os casos de Paulo Machado (já treinou várias vezes e foi convocado para dois jogos da equipa principal), Ivanildo, Bruno Gama e Pedro Ribeiro, por exemplo. "Num futuro próximo há jogadores que podem integrar o plantel principal. Victor Fernandez está atento à formação e à equipa B e conhece os talentos", revela Ilídio Vale.
Quase prontos para a equipa principal
No projecto de selecção de jogadores também é levado em conta um pormenor importante. São procurados atletas passíveis de se tornarem jogadores à Porto. A designação é de Ilídio Vale e encerra uma explicação. "O FC Porto tem uma cultura desportiva muito própria e os jogadores têm de a entender. O clube rege-se por valores próprios, desportivamente tem uma forma própria de jogar. É uma forma de jogar do FC Porto e de mais ninguém".
O modelo e os sistemas dos crescidos
O FC Porto joga quase sempre no mesmo modelo. Victor Fernandez gosta de um 4-3-3 que pode conter algumas variações quanto ao posicionamento das unidades. A alternativa é o 4-4-2. No FC Porto B, como de resto nos restantes escalões de formação, o modelo da equipa principal é seguido à risca. "Há um guião servido por dois sistemas, o 4-3-3 e o 4-4-2 losango", refere Ilídio Vale. No entanto, mais importante do que o sistema é o modelo de jogo. "Acreditamos no treino e modelo de jogo. Os exercícios feitos nos treinos não são à toa. Há uma preocupação de trabalhar os comportamentos tácticos individuais e colectivos, com bola e sem bola, a organização defensiva e ofensiva e o comportamento por sectores, tanto individual como colectivamente", explica o responsável portista. Quando um jogador chega à equipa principal não estranha a adaptação.
Ricardo Carvalho é o exemplo do sucesso
Vítor Baía, Bruno Vale, Jorge Costa, Ricardo Costa, Hélder Postiga e Hugo Almeida. Todos fazem parte do plantel principal do FC Porto, embora nem todos joguem com regularidade, mas o ponto comum da história é outro: todos foram formados exclusivamente no FC Porto ou, em alguns casos, passaram pelas escolas de formação do clube. Este é o exemplo de como a formação do FC Porto funciona e é aproveitada, mesmo que a equipa principal tenha objectivos altos, como lutar por títulos em todas as frentes, conseguindo mesmo assim absorver jogadores oriundos das camadas jovens.Mas não é só a equipa principal que beneficia com a formação. A SAD também retira benefícios disso e o exemplo está nos negócios feitos com Hélder Postiga e Ricardo Carvalho, vendidos ao Tottenham e Chelsea, respectivamente, se bem que o ponta-de-lança já tenha regressado. O defesa-central é exibido como o exemplo de maior sucesso da formação portista. Deu um lucro à SAD de 30 milhões de euros e isso diz tudo. Mas os exemplos não ficam por aqui. Secretário, Fernando Couto, Sérgio Conceição...
Ganhar se possível
O FC Porto está em quinto lugar na II Divisão B, zona Norte. Não pode subir de escalão, uma limitação que irrita os responsáveis do sector, mas não é por isso que não tenta ganhar todos os jogos. Não o tem conseguido com a regularidade da época passada, por exemplo, e neste momento está em quinto lugar, com 30 pontos, menos 13 do que o Vizela, líder da classificação. A consolação é que o ataque da equipa comandada por Domingos Paciência é o segundo melhor, com 38 golos marcados. Números exactos: 18 jogos, nove vitórias, três empates e seis derrotas. A preocupação essencial é formar jogadores mas se possível vencendo jogos, tanto mais que é necessário dotar os jogadores de espírito de vitória. A diferença desta época para as anteriores é que o plantel é formado por muitos jogadores com idades inferiores a 18 anos, ao passo que muitas equipas do escalão têm jogadores que já passaram pelo campeonato principal.