sexta-feira, agosto 12, 2005

Entrevista de Aurélio Pereira (O Jogo, 12-8-2'005)

Ainda ontem, aliás numa entrevista em que anuncia a sua intenção de se candidatar à presidência do Sporting em 2006, Dias Ferreira o citou: Aurélio Pereira. Para evocar de resto a direcção presidida por Amado Freitas, nos finais dos anos 80, e referir que já nesse tempo o dito Aurélio Pereira se ocupava do recrutamento e acompanhamento dos futebolistas mais jovens do clube. Até porque o Aurélio Pereira é, entre as funções de treinador e de coordenador de departamento, leão há cerca de trinta anos. Para além de ter sido jogador verde-branco e ser uma das pessoas com quem mais útil e interessantemente se pode falar de formação, é claro.

- Que é que se passa, Aurélio? Há quantos anos exactamente estás tu em funções no Sporting?
- Há 32 anos.

- E quantos tens?
- 57. Mas comecei por vir, ainda miúdo, prestar provas a Alvalade. Da Venda Nova. A pé. Eu e outros nove miúdos. Cinco ficaram na Luz, mas eu não gostei: vim para aqui. E aqui estou, com um ligeiro interregno, em que estive no Futebol Benfica, o popular Fofó.

- E começaste como treinador...
- A ajudar o Hilário, que treinava os juvenis B, e que tinha sido mais do que um amigo para com o meu irmão Carlos (Carlos Pereira), que o substitui na equipa principal do Sporting. Num tempo em quer, vê lá, para que um miúdo pudesse praticar futebol com 15 anos era necessário fazer um pedido ao ministro...

- Mas quando nasceu o departamento de formação?
- Pode dizer-se que foi com o surgimento de alguns torneios para miúdos, sobretudo o Onda Verde do Sporting, no tempo de João Rocha. Aí por 1975/1976. Com miúdos de 8, 10, 11 anos. Foi a partir daí que nasceu essa área dentro do clube e que eu passei a coordená-la. Até que, em 1987-88, veio um treinador inglês para essa área e foi criado, no tempo de Amado Freitas pois, o departamento de recrutamento, para onde eu transitei. Porque achei muito interessante essa tarefa, para a qual montei uma estratégia, que ainda hoje, como se tem podido ver, dá os seus frutos.

- Sim, és considerado um grande craque na matéria...
- Embora o melhor elogio que me possam dar é reconhecer que sei rodear-me das melhores pessoas para trabalhar comigo. Porque são pessoas com paixão pelo que fazem, e quando se tem paixão pelo que se faz, o que importa é isso, não é o dinheiro que se possa ou não ganhar.

- Entretanto, foram despontando grandes talentos. Vista a coisa da frente para trás, o João Moutinho, por exemplo...
- Mas, neste momento, também o Beto, o Miguel Garcia, o Custódio, o Carlos Martins, o Nani, o Varela, o Semedo, o Miguel Veloso...

- Para já, indo um pouquinho mais atrás, não falarmos de Hugo Viana, do Ricardo Quaresma, do Cristiano Ronaldo...
- Exacto. E do Luís Figo, do Peixe, e por aí fora. E também, deixa-me incluí-lo aqui e com todo o gosto, o Dani, que chegou ao Sporting com oito anos. E, mais para trás, o Litos...

- O Paulo Futre...
- Sim, o Paulo Futre, que foi o primeiro grande jogador a sair do departamento. E aliás o primeiro, igualmente, a sair para o estrangeiro. Foi um pioneiro em tudo. Era um miúdo e um jogador extraordinário, hoje sem preço. Até pelo desejo que tinha de jogar, pelo prazer de fazê-lo, pelo vício que tinha de bola. E pela ambição de ser verdadeiramente um grande craque.

- Foi ele o melhor jogador que passou pelas tuas mãos?
- É difícil falar nesses termos. Chegaram aqui muitos miúdos com uma relação fantástica com a bola. Só que o sucesso não passa só por aí, mas também pela motivação que têm para vencer e pela orientação que é dada à sua carreira. Vê o Dani, por exemplo, que tinha um potencial futebolístico espantoso, mas que só queria jogar por prazer, sem se sujeitar muito às regras, às vezes rígidas, da profissão. Mas um miúdo impecável, nada aliás preocupado a respeito de dinheiro, com uma filosofia pois muito própria. Um amigo! Mas de facto o contrário do Paulo Futre ou do Luís Figo, capazes de todos os sacrifícios para se tornarem jogadores de topo. O Paulo Futre, por exemplo, vinha do Montijo para Alvalade todos os dias, duas horas para cá, duas horas para lá, estás a ver...

- Foi o melhor?
- Para mim são todos os melhores, até porque nós estamos aqui é para ajudá-los, na medida em que muitas vezes entre o sucesso e o fracasso mal cabe um cabelo. Pensa o que teria sido se, em vez de ter ido para o Atlético de Madrid, o Paulo Futre tivesse ido para o Real, por exemplo. Teria ganho títulos, sido um fenómeno. Tal como o Luís Figo.

- Em Portugal já se investe o suficiente na formação?
- O Sporting sempre foi um clube com vocação formadora, mesmo com as dificuldades que existiam em matéria de infra-estruturas. Mas podemos orgulhar-nos do projecto-Roquette e de todas as pessoas que contribuíram e contribuem para ele, com o presidente Dias da Cunha e o naipe de pessoas que hoje com ele trabalham. Porque todos contribuem para as vitórias e as derrotas, não são só os que estão no banco ou em campo. Infelizmente, e ainda no que diz respeito às classes mais jovens, também já só se exigem vitórias, e muitas vezes a pressão assim exercida sobre os miúdos não é a melhor forma de os ajudar.

- Diz-se o mesmo relativamente ao futebol profissional...
- E é verdade! Vê que felizmente os nossos treinadores têm lançado miúdos no primeiro "team", e só lhes louvo a coragem com que o têm feito. Porque é preciso coragem para lançar um Custódio, um João Moutinho, etc. etc., por melhores jogadores que eles se mostrem. Assim, o José Peseiro merece, de resto por essas e por outras, uma grande palavra de estímulo da minha parte. Se os adeptos realizassem o incentivo que é, sobretudo nos maus momentos, o aplauso que possam dispensar à equipa...

- Muitos bons talentos a rebentar por aí mesmo fora do Sporting?
- Com certeza! Mas o que é difícil de entender é que a gente vá ver um torneio de miúdos e não estejam lá portugueses a assistir, mas sim representantes de clubes estrangeiros, que pelo visto percebem melhor do que nós os talentos que criamos por cá. Só que os nossos clubes parecem preferir contratar estrangeiros, se calhar porque as suas massas associativas também é o que querem, em vez de quererem ver projectados os nossos talentos..